segunda-feira, 10 de junho de 2013

930 assassinatos em cinco anos geram incertezas


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Ainda não há veredictos sobre quem está matando esses jovens, na Grande Fortaleza, e as razões dos crimes

Os últimos suspiros do adolescente Samuel Sílvio dos Santos, 15, foram com as mãos do pai sobre o peito ensaguentado. O garoto não resistiu aos três tiros que recebeu no fim de maio passado, dia 27, em uma rua do bairro Caça e Pesca. Samuel engrossa uma estatística desanimadora. Ele faz parte do contingente de 930 crianças e adolescentes assassinados na Grande Fortaleza (capital e região metropolitana) nos últimos cinco anos.


Um dos crimes ocorreu na entrada do Juizado da Infância, em abril deste ano
Foto: Waleska Santiago


As mortes deixam um rastro de sangue nas ruas e vielas, principalmente da periferia da Capital, expondo a fragilidade das autoridades públicas em cumprir o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Ele torna obrigação do Estado preservar a vida desses jovens.

O Diário do Nordeste, com o intuito de aprofundar o debate, inicia, hoje, uma série de reportagens para discutir a realidade desse jovens, que, por vezes, se tornam "invisíveis", e um pouco da vida dos envolvidos nesse processo de medo, morte e dor, mas também de esperança.

Os números referentes às mortes dos meninos tomam como base os dados colhidos pela Editoria de Polícia do jornal nos últimos cinco anos, a partir dos relatórios das Coordenadorias Integrada de Operações de Segurança (Ciops) e de Medicina Legal (Comel) e dos locais de alguns dos crimes registrados. A estatística revela que, somente na Capital Cearense, 719 adolescentes foram "exterminados" entre o dia 1º de janeiro de 2009 até o último dia 2.

Sobre quem está matando esses meninos e as razões pelas quais eles estão sendo assassinados não há, ainda, veredicto. Os inquéritos foram instaurados, as investigações iniciadas. A Polícia Civil não determina as estatísticas, mas garante vir elucidando muitos casos. O delegado Jairo Façanha Pequeno, diretor do Departamento de Polícia Especializada (DPE), afirma que "o fator principal" das execuções extrajudiciais seria o envolvimento com tráfico e disputas relacionadas ao domínio da venda de entorpecentes.

Não há estatísticas ou relatórios oficiais indicando que a droga é realmente a principal responsável por essas mortes. Mas, nos bastidores policiais, é comum a informação de que os meninos começam a usar a droga, depois entram para o tráfico como olheiros dos traficantes, passando, depois de algum tempo, a aviões (os que fazem as entregas), até chegar, em alguns casos, a pequenos traficantes. O caminho desses meninos, muitas vezes, termina no cemitério ou nas unidades para adolescentes infratores.

Samuel, o garoto citado no começo da matéria, nunca havia sido apreendido e, segundo o pai, o zelador Raimundo Ezequiel dos Santos, 49, ele não era usuário de drogas ou envolvido com crimes, mas, quando foi morto, estava conversando com outro adolescente que era ameaçado de morte.

Tiros


Ezequiel estava em casa na noite do último 27, quando recebeu a notícia que nenhum pai quer receber. "Estava deitado quando escutei quatro tiros. A minha vizinha viu que era o meu filho, e o marido dela veio me avisar. Teu filho tá lá no chão. Quando cheguei lá, ele ainda estava vivo. Botei a mão no peito dele assim (faz o gesto), e o coração estava se bulindo. Durante assim uns 20 minutos", contou, enxugando as lágrimas.

O pai contou o que pensou enquanto o filho agonizava em seus braços. "Você bota um filho no mundo, sofre para trabalhar e criar ele. Aí vem um marginal e tira a vida do meu filho de 15 anos a troco de nada". Raimundo Ezequiel afirma ter fé apenas na "Justiça lá de cima".

Além das drogas, outras causas dos assassinatos seriam partilhas de roubo, acerto de contas e queima de arquivo, quando adolescentes envolvidos com quadrilhas de menores e maiores, que sabem demais, são mortos. Já em relação à identificação e prisão dos acusados por esses crimes, Façanha disse que a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil "tem um percentual bom de crimes elucidados, mas a estatística ainda está sendo elaborada".

EMERSON RODRIGUES


REPÓRTER

OPINIÃO DO ESPECIALISTA


O que está errado?


Historicamente, a sociedade tem tido uma estranha mania de "escolher" determinados grupos e os desrealizados socialmente, transformando-os em bodes expiatórios, culpados pelas mazelas sociais. Foi assim com as "bruxas", com os loucos, dentre outros. Agora, são os adolescentes. Alguns discursos têm sido proferidos aos quatro cantos, assinalando os adolescentes como os principais responsáveis pela violência no País. Tais discursos são, no mínimo, irresponsáveis, pois se fundamentam em inverdades que em nada auxiliam no enfrentamento à violência, só propagam o medo, a insegurança e o estigma contra a juventude.

Entre as várias mentiras propagadas está aquela que diz que os adolescentes matam mais que os adultos. Se pegarmos os dados de homicídio doloso no Ceará, durante o ano de 2012, vamos ver que os adolescentes foram responsáveis por 167. No entanto, foram registrados 437 homicídios dolosos que vitimizaram adolescentes entre 12 e 17 anos em todo Estado (SSP/CE). Somente em Fortaleza e RMF, já é possível contar, nos últimos 5 anos, quase 1.000 assassinatos (Ciops/Comel). Se pegarmos, ainda, os dados de São Paulo, Estado com maior número de adolescentes encarcerados, os números de homicídios e latrocínios não chegam a 2% do total dos atos infracionais dos adolescentes internos da Fundação Casa.

De todo modo, é preocupante os números que informam a letalidade. Mas o primeiro passo para enfrentar tal problemática é trabalhar com um diagnóstico preciso, fundamentado em dados reais. Precisamos, ainda, nos questionarmos a quem interessam tais discursos fantasiosos. Acredito que interessa a quem não quer enfrentar o problema, a quem ganha popularidade e prestígio às custas do sofrimento alheio. Por fim, precisamos desvendar o que está "errado", não nos adolescentes, mas em nós, SOCIEDADE, que cada vez mais buscamos resolver nossos conflitos com violência.

Mara Carneiro


Pesquisadora do Lab. de Estudos da Violência/UFC




FONTE: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1277681

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